Fãs

Da poltrona para o outro lado da força

*por pHantasma e Clow-kun

Blogs, fóruns, portais, comentários, twitter, orkut, facebook, formspring, vlogs. São tantas ferramentas que não dá para negar: estamos vivendo na era da colaboração e da interatividade. Numa esfera onde o significado passou a ser construído não somente por aquele que escreve, mas também por quem responde, rompendo com a estrutura do broadcasting instaurado pelos meios de comunicação de massa. Talvez seja por isso que o apresentador do programa Custe o Que Custar, Marcelo Tas, constatou em entrevista: nunca lemos e escrevemos tanto quanto agora, nas redes sociais – e isso não representa qualidade, mas quantidade. Pessoas querem se envolver, querem participar e o resto a gente já conhece.

Das redes sociais, vamos ao mundo empresarial. Atualmente, as grandes organizações buscam inserir em seus modelos de negócio o mote do envolvimento com seus públicos de interesse em busca de melhores resultados, tanto para si mesmas quanto para os envolvidos. Quem seriam esses públicos? Os empregados, os fornecedores, a sociedade civil, os governos e instituições privadas, as ONGs, as comunidades e, claro, nós, os consumidores e clientes finais do seu produto. É uma tendência fazer pesquisas de mercado, de clima, de imagem para saber o que o público deseja, quais as demandas das regiões onde a empresa atua, com o objetivo de melhorar seus processos internos, de relacionamento e seu produto final. É claro que estamos falando de empresas sérias, onde as coisas acontecem de verdade, ancoradas em certificações de qualidade e tudo mais.

Temos como exemplo de consumidor os fãs: um indivíduo que admira entusiasticamente alguém ou alguma coisa. Ele reclama, briga e não aceita qualquer coisa, não porque pode fazer algo melhor, mas porque, como principal destinatário de um produto, sabe muito bem o que gostaria de ter em suas prateleiras. Qual seria, então, o limite de um fã quando sai da posição de mero espectador, aceitando tudo que lhe é direcionado, para uma mais ativa, exigindo e trabalhando em conjunto com seus parceiros (sim, digo parceiros porque é uma relação de mão dupla) para obter máxima qualidade daquilo que está adquirindo?

Quando pensamos em dublagem, vemos que essa é uma área muito delicada. Em comparação às outras produções artísticas, ao invés de criar, a dublagem se limita a construir personagens que respeitem a forma como foram imaginados, já que construí-los de forma diferente seria descaracterizar a produção e um desrespeito maior ainda ao ator / autor que o concebeu. A dublagem deve se adaptar ao que foi construído originalmente para que, aqui no nosso país, possamos ouvir na língua materna como aquela produção foi desenvolvida. Nada pode ser inventado, tudo tem que ser no seu limite. E é neste ponto que ouvir a opinião do fã da produção (que é diferente de ouvir um fã de dublagem) pode ser importante.

Mas não devemos confundir essa atitude como o fã fazendo o trabalho do seu ídolo ou de um profissional de dublagem. Temos duas situações nesse caso: uma em que o fã, com suas críticas, auxilia e dá suporte para que se faça um trabalho ainda melhor, dizendo o que espera, o que gosta. Outra é quando o fã faz respeitar o trabalho do seu ídolo frente a outros que trabalham com ele. No caso de ser fã da Laura Pausini, nada me dá o direito de falar a ela como escrever suas canções ou quais assuntos abordar. Mas, sendo fã da Laura Pausini, tenho todo o direito de exigir que utilizem de seu trabalho com respeito ao que ela concebeu e criou, sem distorcer aquilo que foi imaginado pela Laura, pois não é só um desrespeito aos seus fãs, mas a ela. E ninguém melhor que um fã para entender e saber o que seu ídolo criou.

Falando especificamente de Sailor Moon, que profissional pode atuar direcionando o que é melhor para a série? Em se tratando dos profissionais que temos hoje (isso considerando as empresas de entretenimento japonês e seus representantes, estúdios de dublagem, assessorias etc), ele não existe. Por que não deixar que representantes deste público (os fãs) façam esse papel, garantindo que suas vontades sejam feitas e assegurando o lucro dos investidores? Esta seria uma relação biológica de mutualismo, em que todos cedem e recebem o que lhe interessa de volta. Os fãs ganham um trabalho de qualidade e os empresários ganham o lucro que esperam.

Nós, como fãs de Sailor Moon, queremos ser ouvidos para que a Serena continue sendo a Serena, para que a Lita continue sendo a Lita e não para que invertam suas personalidades por um problema de interpretação, de tradução, de direção, de má alocação dos recursos, entre outros. E isso se define numa só frase: se no passado os profissionais tivessem feito um bom trabalho e todas as empresas que trabalharam fossem profissionais, concordam que fã nenhum precisaria se meter?

O resultado nós conhecemos bem: a troca de vozes de um episódio para o outro, a invenção de termos que não existem (UMA Sailor Moon), invenção de golpes que mudam a cada episódio, utilização de vozes que não são adequadas para as personagens, entre outros erros que ocorrem frequentemente nos trabalhos de dublagem e que são amenizados pelo auxílio dos fãs ou de uma mão de ferro, que se preocupa com seu nome e com a qualidade de seus produtos, como a Disney. Se estamos na era da colaboração e até grandes empresas enxergam nesse filão o caminho para o crescimento, por que, no ramo do entretenimento japonês, devemos adotar uma postura provinciana? Fica a pergunta.

O assunto muda de tom quando falamos dos métodos de transmissão, principalmente a TV aberta. A falta de habilidade das emissoras com os fãs é que tem levado ao fracasso enfrentado pelas produções japonesas hoje em dia. Aliada a dublagens duvidosas, muitas produções perderam totalmente seu potencial no país. Um exemplo disso é o anime Blue Dragon. Os fãs fizeram de tudo, falaram, reclamaram em relação a sua dublagem (que é péssima, diga-se de passagem) e até foram ouvidos, mas não foram levados em consideração. O resultado foi um anime de sucesso no exterior jogado ao limbo em nosso país.

Ao analisarmos Cavaleiros do Zodíaco, vemos os dois lados da moeda no mesmo produto. A realização da dublagem associada aos fãs fez o sucesso de vendas em DVD, com mais de 300 mil cópias vendidas (num país cheio de pirataria, isso é um senhor número) e em Lost Canvas, que também teve uma dublagem associada à opinião dos fãs, a venda de todos os boxes foi garantida antes mesmo de sair da pré-venda. Mas ao olharmos a exibição da TV, a Band não fez nada do que os fãs esperavam. Além dos cortes da censura, a Band modificou os horários de exibição, fez adaptações desnecessárias, colocou a Kelly Key para espantar os telespectadores e muitas outras coisas erradas, de acordo com as pesquisas de opinião do site CavZodiaco.

A TV aberta, mesmo não sendo a melhor opção para a exibição de um anime, é aquela que proporciona maior visibilidade e abertura para o licenciamento de produtos. Infelizmente, não há respeito e as próprias emissoras não fazem valer os contratos assinados. O blog Papo de Budega já apresentou uma solução alternativa, uma proposta de disponibilizar o conteúdo japonês oficial na internet, de graça, sem cortes e em alta qualidade. Todo mundo com acesso ficaria satisfeito. Sim, mas nada substitui o DVD na prateleira ou o ato de sentar-se à TV para assisti-lo. Mas até para isso os fãs são necessários. Sem o movimento deles para exigir das empresas responsáveis, nada disso acontecerá, pois não há visão, iniciativa e nem a vontade de arriscar. Seria essa, também, uma intromissão maléfica no trabalho de outros profissionais? Se utilizarmos os argumentos que estão pipocando na rede, tudo indica que sim, mas não para nós…

O principal ponto neste caso é que a obra seja respeitada nos moldes originais. O ideal seria que um profissional conhecesse o produto e, dessa forma, aproveitasse de todo o seu conhecimento e experiência para melhor trabalhá-lo. No entanto, esse profissional, assim como a perfeição desse trabalho, são utópicos. No cenário atual, será que os fãs devem aceitar tudo o que lhes chega, estagnados, aguentando más adaptações e distorções absurdas? Acreditamos que é preferível tomar uma atitude que garanta o melhor a ficarmos esperando um resultado superficial. Se formos conformistas com o mínimo que gostamos, o que podemos esperar do futuro para grandes realizações?