Marli Bortoletto

eternamente Sailor Moon

Marli Bortoletto dispensa apresentações. Dona de um vasto currículo de dublagem, virou referência na área e imortalizou sua voz na personagem Mônica, de Maurício de Sousa. Mas Marli mostrou seu rosto para os fãs só depois do sucesso como a protagonista da primeira dublagem de Sailor Moon, no extinto estúdio Gota Mágica.

Muitos sonham em conhecê-la pessoalmente e poder chegar perto da eterna “Sailor Moon” dos brasileiros. O SOS esteve com ela e traz nesta entrevista um pouquinho da atriz, dubladora e super simpática Marli.

Data: 09/02/2011

Ficha Técnica

Entrevista

Como você começou sua carreira?
Eu comecei profissionalmente aos 17 anos, quando fiz um teste para uma companhia profissional de teatro, mas já fazia teatro na escola desde os 13, idade em que vi minha primeira peça. Foi o maior encantamento que tive. Encantamento tão grande assim, só tive de novo quando minha filha nasceu. Eu era muito tímida, mas fiquei de tal modo admirada com aquilo que comecei a me aproximar dos colegas da escola que faziam alguma coisa ligada ao teatro. Aí comecei no teatro da escola e no ano seguinte fui ter aula com um professor que começou a montar peças. Entrei em grupos de teatro amador e aos 15 tive um “insight”: O que eu quero fazer da minha vida é isso! Eu quero ser atriz!, e me encaminhei para isso. Continuei fazendo cursos e teatro amador, até que um amigo, que já trabalhava em uma companhia, me viu numa peça e me convidou para fazer um teste. Passei e nunca mais parei.

E na dublagem?
Eu era do grupo de teatro do Maurício de Souza e fazia a voz da Mônica para conversar com as crianças. Houve um teste para uma nova peça de teatro do desenho e eu tentei. Isso aconteceu há 27 anos e estou lá até hoje. Eu conheci a dublagem por causa da voz da Mônica, mas nessa época eu viajava com o espetáculo, ficava no máximo 3 dias em São Paulo. Por isso fiquei muito tempo fazendo só os desenhos e as coisas da Mônica.

A voz da Mônica é muito fina, de criancinha. Como você consegue manter isso há 27 anos?
Acho que colaboram fatores genéticos, por isso sempre falo que meu ponto forte é a voz. Ter esse timbre, essa qualidade vocal. E nesses últimos 30 anos tenho me preocupado mesmo em trabalhá-la, para preservá-la, ter uma saúde vocal razoável. Não fumo e nunca usei drogas. São coisas que sabidamente irritam as pregas vocais, que são muito sensíveis. Ao mesmo tempo, elas são muito fortes, porque envelhecem mais tardiamente que o resto do corpo. Então sua voz é, em geral, 10 anos mais jovem que você. É um privilégio, uma sorte, manter os timbres. Acabei encontrando isso um pouco intuitivamente. Fiz curso de técnica vocal e quero fazer outros regularmente daqui para frente, talvez aula de voz, de canto, para aprimorar e, principalmente, manter a saúde vocal.

Você lembra de alguma cena ou algo em Sailor Moon que foi muito marcante?
A atrapalhação dela. De achar que estava sempre devendo alguma coisa, de não ter vontade de ir para escola e acordar atrasada, de saber que a mãe já estava chamando, de que ia levar bronca da professora. Essa angústia era bem marcante para mim. Até porque isso dava um trabalho! Eu tinha que falar rápido. E essa aflição que ela tinha, de saber que dependia dela resolver alguma situação e morrer de medo de ir. Esse sentimento de ter que encarar assim mesmo. Eu não lembro de cenas em si, eu lembro da carinha dela, lembro das exclamações, dos pontos de interrogação, dela chegando atrasada tentando ficar incógnita.

Você ainda tem contato com os antigos dubladores de Sailor Moon?
Tenho bastante contato com elas. Um pouco menos com a Gilmara, porque ela acabou dirigindo mais do que propriamente dublando. As outras eu frequentemente encontro nos estúdios. Tem séries que eu faço com a Eleonora e outras em que eu dirijo a Isabel e a Cristina. Já trabalhei com a Cristina me dirigindo. Sou amigas delas, admiro o trabalho de todas elas. Também trabalhei com o Cassius na CBS quando ele foi dirigir Naruto. Nós fizemos o par romântico da história, mas eu sempre dei muita risada, porque ele é muito engraçado. Muito bom ator, muito bom comediante.

Você tem vontade de dublar as outras temporadas de Sailor Moon?
Eu tenho muita vontade de fazer. Tenho um amigo que gravou várias temporadas e combinei com ele de ouvir o que eu já fiz e o que foi feito. A ideia seria trabalhar dessa forma colaborativa e tornar esse trabalho mais bacana do que já foi. Eu tenho grandes expectativas, porque depois de um tempo que você faz um trabalho, você pensa que podia fazê-lo melhor! Então é uma chance de fazer melhor. É claro que quando você termina, você ainda pode falar “eu podia ter feito melhor”! Isso não tem fim! Até porque é verdade mesmo. Porque quando você termina um trabalho, você está mais preparado para fazer ele de novo. Eu tenho muita vontade de fazer, de uma maneira colaborativa e trazendo todas essas informações que agora nós temos.

Você aceitaria dirigir ou atuar na dublagem de Sailor Moon, se o anime fosse redublado?
Dirigir ou atuar? A série é um “cult”, faz parte do imaginário de muita gente. Não fui eu que dirigi antes. Então acho que seria interessante que o (Gilberto) Barolli mesmo dirigisse. Mas mesmo ele precisaria de todo um trabalho de pesquisa do que foi feito e de um acompanhamento, para preservar tudo o que já foi feito e continuar isso nas novas temporadas, com coerência dos nomes, dos bordões, das características, mantendo o que foi feito e melhorando. Eu não dirigi na época, e prefiro só atuar, mas seria muito importante a gente ter esse cuidado. É uma coisa tão importante para tanta gente! Não podemos deixar essa sem esse brilho.

Até que ponto o fã deve participar ou não?
Hoje, com a internet, existem duas situações. Algumas vezes os fãs já conhecem uma série nova porque está na rede. Nem passou na televisão ou chegou por DVD, mas os fãs têm toda uma concepção daquilo. Quando ela vem pro Brasil, talvez não seja possível fazer exatamente como o fã está pensando, mas assim mesmo acho que deve-se levar em consideração o que ele espera. É claro que ele não vai poder interferir completamente, mas ele é uma das informações sobre aquela obra. Ele conheceu até antes do estúdio, do distribuidor aqui no Brasil, do ator que vai atuar. Então eu acho que tem que levar em consideração sim. Agora, no caso de uma série que já passou e que fez todo um grupo de fãs, aí tem que levar em consideração tudo. Porque, frequentemente, os fãs têm muito mais informações do que a gente. Principalmente pelo jeito que a dublagem foi feita no Brasil. Aqui é tudo muito rápido. Todas as pessoas envolvidas no processo, até mesmo o distribuidor aqui no Brasil, assistem ao trabalho muito rapidamente, até pulando cenas. Comprou porque fez sucesso lá fora. Então quem assistiu tem muito mais capacidade de interferir e de pedir qualquer coisa do que o distribuidor, produtor, estúdio, diretor e até mesmo o ator. É claro que há limitações. “Não vamos poder fazer porque não se encaixa infelizmente no cronograma, em como é produzido”, isso é diferente, é impossível de se fazer. Mas levar em consideração eu acho vital, vital mesmo! Não é para fazer média não, é preciso ter essa comunicação.

O seu trabalho como Hilda de Polaris em Cavaleiros do Zodíaco também teve muita repercussão. Qual personagem você mais gostou de fazer, Hilda de Polaris ou Sailor Moon?
É tão difícil, porque são trabalhos muito diferentes! E para mim, a repercussão disso chegou mais ou menos ao mesmo tempo. Eu acho que gostei mais da Sailor Moon, porque fiquei muito mais envolvida com ela e tive mais tempo para fazer. A Hilda foi meio que no susto. Eu adoro as duas, mas a Sailor Moon me trouxe muita gente. Mas a diferença não é muito grande não.

E como foi fazer uma vilã? Porque você faz a Mônica que é uma menina briguenta e a Sailor Moon que é uma heroína e então você fez uma vilã, a Hilda. É muito diferente?
É, é muito diferente sim. É muito diferente por causa de timbre. E, na época, as pessoas me chamavam para fazer essa faixa de timbre da Sailor Moon, da Mônica, as mocinhas, as personagens mais suaves, mais frágeis. Se você olhar de tudo que eu fiz, tem uma dominante ali, que são mulheres desse tipo, com problemas, sim, mas principalmente com problemas de fragilidade. E algumas poucas são mais fortes. Na época foi um desafio, porque era um outro timbre, né? A Hilda tem um timbre mais baixo que o meu, então eu não sabia exatamente o que estava fazendo ali, estava com medo de estar exagerando. Depois que eu terminava, achava que podia fazer mais ainda, carregar um pouco mais. Achei bem difícil fazer, mas gostei.

O que você acha de usar os nomes originais dos personagens de Sailor Moon? Por exemplo, ao invés de Serena, usar Usagi?
Bom, estaríamos recomeçando, porque não teria a mesma identificação com os fãs antigos. Por outro lado, estaríamos recomeçando com outros fãs. Eu acho que a palavra tem muita força. A gente acabaria descobrindo outras coisas além de mudar o nome dela, melhores ou piores, não sei, mas diferentes. Eu acho Serena e Usagi tão diferentes! Nós estaríamos inaugurando um outro momento desse trabalho, de reação, de repercussão. No caso da Hilda, “Rilda” nem foi tanto porque é muito próximo, é uma questão de pronúncia, mas daí no caso Serena para Usagi muda muito.

Você se lembra da dublagem da Patrine?
Lembro, claro que lembro! Porque era muito divertido! A gente achava uma piração, porque na verdade a Patrine foi o primeiro Chaves que apareceu por aqui. Era uma comédia canastrona e uma produção simples, meio circense. Os figurinos, os gestos, aqueles personagens, aquele tipo de interpretação, eu adorei fazer. Adorava! Todo final de episódio tinha o julgamento dela, e sempre era uma profissão, alguém que acabava decepcionando no seu ofício, tinha que fazer uma determinada coisa e não fazia, um policial, um padeiro, um sapateiro. Ainda tinha a pequena Patrine!

O que você prefere dublar: desenhos ou filmes?
São duas coisas completamente diferentes. Por mais que o desenho seja completo, o rosto humano tem muito mais detalhes e sutilezas. O desenho tem muitas expressões, mas são um pouco mais caricaturais, mais carregadas ou mais suaves, até mais do que o rosto humano seria capaz. O desenho também permite que você mude a voz, que você crie mais, que você saia. Se a Hilda fosse uma mulher, dificilmente eu poderia fazer. Eu iria fazer esse timbre mais caricatural para poder dublá-la e talvez não convencesse. Só convence porque é desenho. Nos desenhos da Disney, o pessoal faz um trabalho super bonito, sensacional, criando aquelas vozes. Mas se você pega aquela voz que é incrivel e coloca num ser humano, vai ficar forçado, mesmo que seja uma comédia rasgada. Então são trabalhos muito diferentes: o que dá para fazer no desenho não dá para fazer no filme e vice-versa. Há pontos de contato, evidentemente, principalmente desenhos mais realistas no sentido da experiência do personagem. O Castelo Animado é um desenho totalmente surrealista, mas os personagens tem emoções absolutamente humanas, então ali é como num filme. Em comparação, Homens de Preto, que é um filme, possui situações totalmente fantásticas. Seria impossível escolher, porque tenho trabalhos que eu amo no cinema, no live action e na animação.

Qual foi o ultimo pesonagem que você dublou antes de vir para cá?
Alma Indomável. A personagem Alma.

Como é dublar novela mexicana?
É muito dificil. Primeiro porque o castelhano tem uma pronúncia muito marcada. O português brasileiro é uma língua suave, a gente articula bastante. Se comparar com o italiano ou mesmo o português de Portugal, a nossa língua é aberta, não é tão marcada. No castelhano eles “hablam”, acentuam “las vogales”. A articulação é muito marcada, mesmo na fala normal. E na dramaturgia, ao contrário do cinema, parece que esse excesso de drama é uma coisa cultural. Os atores interpretam assim, tudo muito acentuado, muito marcado, porque as situações são todas muito extremadas. A Alma, em Alma Indomável, vive chorando. Ela sofre, sofre demais. Se você fizer essa coisa tão carregada, fica inverossímil para a gente no Brasil. Ao mesmo tempo, talvez tenha um pouco de preconceito também de nós atores, de fazermos tão assim, tão carregada, tão sem verdade como a gente acha que é para nossa realidade.

E o que é mais dificil: castelhano, japonês ou inglês?
O mais difícil de todos é o castelhano. O mais fácil é o inglês, principalmente pelo hábito. Noventa por cento do que chega aqui no Brasil é em inglês. Dentro disso, quase tudo é inglês americano.

Tem alguma cena que você se emocionou de verdade enquanto estava dublando? Qual marcou?
Muitas mesmo! A Mina do Drácula de Coppola me marcou muito. E vários filmes da Julia Ormans, como Lendas da Paixão.

Você tem algum ídolo na dublagem?
Eu admiro tanta gente! Fica ruim de falar. Eu tive a sorte de conviver com tanta gente boa, que me ajudou, me apoiou e me ensinou coisas. Eu vim para a dublagem num período em que as pessoas ainda trabalhavam juntas no estúdio, então eu convivi com o Antonio Moreno, o Nelson Machado, o Nelson Batista, a Jessi, a Arlete Montenegro, tanta gente boa! Cada um de alguma maneira me ensinou e me abriu portas. E é contínuo. Até os que estão começando possibilitam uma troca bacana.

Você deve escutar muito a frase “eu conheço sua voz de algum lugar!”. Quando isso acontece, o que você responde?
Ah já! Já aconteceu! Aí depende do clima, de repente é um clima legal, assim eu falo “Ah, eu sou dubladora, talvez tenha ouvido um trabalho que eu dublei”. Da mesma maneira que tem gente que tem ouvidos muito atentos, muito sensíveis para isso, tem muita gente que não tem, que não percebe.

Você tem ido em eventos de animes?
O último que eu fui foi o Animefriends, há uns dois anos. Eu fui nos primeiros Animecons, fui também em vários eventos que tinham na época. Depois, nos últimos anos eu acabei não indo mais, por conta de agenda e pela vida privada.

É verdade que você tem medo de avião?
Quando aconteceu o acidente com o avião da TAM e depois com o avião da Gol, na sequência, eu fiquei muito preocupada. Fiz espetáculos em todas as capitais e nunca passou pela cabeça que o aeroporto pudesse não ter tamanho, que tinha muito menos controladores de voo que o necessário. Quando apareceu essa realidade eu falei “Gente, isso é muito perigoso” e parei um pouco. Mas de lá pra cá eu já peguei outros voos.

Se você não fosse atriz, não atuasse nesse meio, você se imagina tendo outra profissão?
Eu acho que seria professora, pesquisadora da área de história.

Mensagem aos Fãs

Sonho de consumo de todos os Fãs

O SOS Sailor Moon agradece à dubladora Marli Bortoletto por sua extrema gentileza e carinho em nos atender neste encontro tão especial. Marli, sempre simpática e divertida, é um doce e uma profissional fantástica. Obrigada pela entrevista! Sucesso eterno!